sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Para quem gosta de pesquisar, ler ou simplesmente procurar curiosidades, a editora escala tem uma revista super interessante de Filosofia. Depois dêem uma olhadinha.
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Seminários 2º ano

  • Os seminários serão apresentados por 6 grupos divididos por 6 ou 7 alunos.
  • Os temas serão três livros do PAS:

"Discurso do Método", de René Descartes;

"Alegoria da Caverna" de Platão;

"Germinal" de Emile Zola.

  • Dois grupos deverão apresentar por dia;
  • Cada obra será apresentada por dois grupos;
  • Cada grupo terá 20 minutos para apresentar;
  • Deverá ser feito oralmente um resumo da vida do autor e da obra lida;
  • Um aluno de cada grupo deverá ser sorteado para apresentar, podendo ser ajudado por outro colega também sorteado.
  • O valor desta avaliação é de 3,0 pontos.
  • Os dias da apresentação serão:

2º A - 15/09 (preparação) - 21/09 - 22/09 - 28/09

2º B - 16/09 (preparação) - 21/09 - 23/09 - 02/10

2º C - 16/09 (preparação) - 22/09 - 23/09 - 29/09

2º D - 18/09 (preparação) - 21/09 - 25/09 - 02/10

2º E - 16/09 (preparação) - 21/09 - 23/09 - 28/09

Seminários - 3º ano

Os seminários serão apresentados por 6 grupos divididos por 6 ou 7 alunos.
  • Os temas serão três livros do PAS:
"O manifesto comunista" de Karl Marx;
"Crepúsculo dos ídolos" de Nietzsche;
"Crítica da Razão Tupiniquim" de Roberto Gomes

  • Dois grupos deverão apresentar por dia;
  • Cada obra será apresentada por dois grupos;
  • Cada grupo terá 20 minutos para apresentar;
  • Deverá ser feito oralmente um resumo da vida do autor e da obra lida;
  • Um aluno de cada grupo deverá ser sorteado para apresentar, podendo ser ajudado por outro colega também sorteado.
  • O valor desta avaliação é de 3,0 pontos.
  • Os dias da apresentação serão:


Turmas Preparação em sala “O manifesto..." “Crepúsculo...” “Crítica...”
3º A 18/09 23/09 25/09 30/09
3º B 17/09 21/09 24/09 28/09
3º C 16/09 21/09 23/09 28/09
3º D 17/09 22/09 24/09 29/09
3º E 18/09 22/09 25/09 29/09



segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Texto base do 3º bimestre para os alunos do 3º ano

Centro de Ensino Médio 01 Riacho Fundo I
Disciplina Filosofia
Professora: Fernanda Cordova 3ºAno
I. TEORIA DO CONHECIMENTO

1. A crise da modernidade e a crítica ao racionalismo
Chamamos modernidade ao período que se esboça no Renascimento, desenvolvendo-se na Idade Moderna e atinge seu auge na Ilustraçao, no século XVIII. O paradigma de racionalidade que então se delineia é o de uma razão que, liberta de crenças e superstições, funda-se na própria subjetividade e não mais na autoridade. Sob esse aspecto, merece destaque a discussão sobre os métodos, presente na filosofia a partir de Descartes, Bacon, Locke e, no âmbito da ciência, em Galileu, Kepler e Newton.
No entanto, a esperança de encontrar na razão a compreensão da realidade e do sujeito, bem como a possibilidade e agir de forma eficaz sobre a natureza, dominando-a, apresentou-se como empreitada cada vez mais difícil, senão invariável. Desse desconfiança, nutrem-se pensadores que começam a colocar em xeque o primado da razão e aquele modelo de racionalidade, cuja crítica se delineia no final do século XIX e início do XX.
· Antecedentes
Comecemos por dois filósofos que viveram no século XIX, mas cuja influência foi marcante no pensamento do século XX: Kierkegaard e Nietzsche.
Sören Kierkegaard (1813-1885), pensador dinamarquês e precursor do existencialismo contemporâneo, é crítico severo da filosofia moderna, de Descartes a Hegel. Afirma que nela o ser humano não aparece como ser existente, mas como abstração, reduzido ao conhecimento objetivo, quando, na verdade, a existência subjetiva, pela qual o indivíduo toma consciência de si, é irredutível ao pensamento racional, e por isso, mesmo possui valor filosófico fundamental.
A esse respeito, o professor Benedito Nunes completa: “Não se diga, porém, porém, que ela [a existência] é incognoscível. Ao contrário, dada a imediatidade, para o homem, entre ser e existir, o conhecimento que temos da existência é fundamental, prioritário. O homem se conhece a si mesmo como existente. Esse conhecimento, inseparável da experiência individual, não transforma a existência num objeto exterior ao sujeito que conhece”. (1)
Para Kierkegaard, a existência é permeada de contradições que a razão é incapaz de solucionar. Ao criticar o sistema hegeliano, diz que a dialética não encontra o móvel do seu dinamismo no conceito, mas na paixão, sem a qual o espírito não receberia o impulso para o salto qualitativo entendido como decisão, ou seja, como ato de liberdade. Essa consciência das paixões leva o filósofo – também teólogo e pastor evangélico luterano – a meditar sobre a fé religiosa, como estágio superior da vida espiritual. Ou seja, para ele, a mais alta paixão humana é a fé. Mas ela é, também, uma paixão plana de paradoxos.
Friedrich Nietzsche, por sua vez, opera mais um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. Ora, o conferir sentidos é, também, o conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover.
Diz Nietzsche: “O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, um soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são, metáforas que se toraram gastas e sem força sensível,moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”. (2)
A tarefa da filosofia é a de interpretar a “escrita de camadas sobrepostas das expressões e gestos humanos”. O trabalho interpretativo volta-se, em primeiro lugar, para o exame do conjunto do texto metafísico, a fim de desmascarar o modo pelo qual a linguagem passou do nomear as coisas concretas para o sistematizar verdades eternas.
Como método de decifração, Nietzsche propõe a genealogia, que coloca em relevo os diferentes processos de instituição de um texto, mostrando as lacunas, os espaços em branco mais significativos, o que não foi dito ou foi recalcado e que permitiu erigir determinados conceitos em verdades absolutas e eternas. Ao empreender o caráter histórico dos conceitos, bem como dos códigos, esclarecendo sua relação com outros, a genealogia mostra o que eles excluíram para poder chegar à “intemporalidade” da tradição, da autoridade ou da lei. Ao expor a inexistência de significados estáveis, isoláveis, conclui pela ausência de qualquer fundamento rigoroso da verdade metafísica.
Nietzsche mostra, ainda, as origens extraracionais da razão. Para ele, o conhecimento é resultado de uma luta, do compromisso entre instintos. De fato, o destino humano depende da função que se der aos instintos, aos quais se subordinam a consciência e a moral. No entanto, pelo procedimento genealógico, Nietzsche procura adotar um critério para compreender a avaliação que foi feita desses instintos e descobre que o único critério que se impõe é a vida. Diz a esse respeito a professora Scarlett Marton: “Fazer qualquer apreciação passar pelo crivo da vida equivale a perguntar se ela contribui para favorecê-la ou obstruí-la; submeter idéias ou atitudes ao exame genealógico é o mesmo que inquirir se são signos de plenitude de vida ou da sua degeneração; avaliar uma avaliação, enfim, significa questionar se é sintoma de vida ascendente ou declinante”.
Também Marx adverte sobre as ilusões do conhecimento, sobretudo quando descreve os fenômenos da alienação e da ideologia, pelas quais a “verdades” da classe dominante são consideradas universais e impostas à classe dominada, impedindo que ela mesma desenvolva sua própria visão de mundo.
Sigmund Freu (1856-1939), fundador da psicanálise, desmente as crenças racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle dos desejos, ao levantar a hipótese do insconsciente. Diante das forças conflitantes das pulsões, os indivíduo reage, mas desconhece os determinantes de sua ação. Caberá ao processo psicanalítico auxiliá-lo na busca do que foi silenciado pela repressão dos desejos.
2. Michel Foucault
Mais recentemente, o filósofo francês Michel Foucault (192-1984) estabelece um nexo entre saber e poder. Ao contrário da tradição moderna, pela qual o saber antecede o poder, para ele, a verdade não se encontra separada do poder, antes é o poder que gera o saber. Propõe então o processo genealógico pelo qual busca descobrir como a verdade tem sido produzida no âmbito das relações de poder.
Suas investigações se iniciam a partir do exame das condições do nascimento da psiquiatria e pela descoberta de que o saber psiquiátrico não se constitui para entender o que é a loucura, mas como forma de poder que antes propicia o processo de dominação do louco e de seu confinamento em instituições fechadas. Além, disso, os mendigos passam a ser recolhidos em asilos e também se tornam objeto de uma “tática dos mecanismos dualistas da exclusão que separa o louco do não-louco, o perigosos do inofensivo, o normal do anormal”.
Concomitantemente ao confinamento, nos outros setores da sociedade inicia-se, a partir dos séculos XVII e XVIII, os processos disciplinares que visam a tornar os corpos dóceis e submissos. Isso não significa que antes não houvesse disciplina, mas que, a partir daquele momento, ela se torna fórmula geral de dominação exercida em diversos espaços: nos colégios, nos hospitais, na organização militar, na medicalização da sexualidade, nas oficinas, na família. Nesses locais se da o controle do espaço, do temo, dos movimentos, sob um olhar vigilante que se torna introjetado no indivíduo.
A extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo daqueles séculos, sua multiplicação no corpo social, define o que se pode chamar de “sociedade disciplinar”. Dessa forma, desenvolve-se uma “microfísica do poder”, porque, para Foucault, o poder não se exerce de um ponto central como o indivíduo, o grupo, a classe ou qualquer instância do Estado, mas está disseminado em uma rede de instituições disciplinares. São as próprias pessoas, nas suas relações recíprocas (pai, professor, vizinho, médico), que, baseando-se no discurso constituído, fazem o poder circular. Cabe à genealogia investigar como e por que esses discursos se formam, que poderes estão na origem deles, ou seja, como o poder produz o saber.
À medida que a burguesia se torna classe dominante a partir do fim do século XVI e início do século XVII, a o capitalismo emergente e depois ao processo de produção industrial, interessa essa micromecânica do poder pela qual se exigem formas de disciplina que excluem os incapazes e inúteis para o trabalho – como loucos e mendigos -, e desenvolvem-se mecanismos de controle, a fim de tornar os corpos dóceis e os comportamentos e sentimentos adequados à nova forma de produção.
Diz Foucault: “A burguesia compreende perfeitamente que uma nova legislação ou uma nova constituição não serao suficientes para garantir sua hegemonia; ela compreende que deve inventar uma nova tecnologia que assegurará a irrigação dos efeitos do poder por todo o corpo social, até mesmo em suas menores partículas”. (3)

II. CONEPÇÕES ÉTICAS
1. Mito, tragédia e filosofia
Uma das características da consciência mítica é a aceitação do destino: os costumes dos ancestrais têm raízes no sobrenatural; as ações humanas são determinadas pelos deuses; em conseqüência, não podemos falar propriamente em comportamento ético, por faltar a dimensão de subjetividade que caracteriza o ato livre e autônomo.
Ao analisarmos a passagem do mito à razão na Grécia Antiga, vemos como se dá o desenvolvimento da consciência crítica. Resta, no entanto, um lapso intermediário caracterizado pela consciência trágica, que foi totalmente superado e ainda não se firmou a consciência filosófica. A tragédia grega floresceu por curto período, e os autores mais famosos foram Ésquilo (525-456 a.C.), Sófocles (496-c. 406 a.C) e Eurípedes (c. 408-406 a. C.). O conteúdo das peças é retirado dos mitos, mas há algo de novo no tratamento dado pelos autores – sobretudo Sófocles – ao relato das façanhas dos heróis.
Tomemos por exemplo a tragédia Édipo-Rei de Sófocles. Nela conta-se que Laio, senhor de Tebas, soube do oráculo que seu filho recém-nascido haveria de assassiná-lo, casando-se em seguida com a própria mãe. Laio antecipa-se ao destino e manda matar o filho, mas suas ordens não são cumpridas, e a criança cresce em lugar distante. Quando adulto, Édipo consulta o oráculo e, ao tomar conhecimento do destino que lhe fora reservado, foge da casa daqueles que supunha ser seus verdadeiros pais a fim de evitar o cumprimento do destino daquela sina. No caminho desentende-se com um estranho – e o mata. Esse desconhecido era, na verdade, seu pai. Entretanto em Tebas, Édipo se casa com Jocasta, viúva de Laio, ignorando ser ela sua mãe. E assim se cumpre o destino.
Mesmo que Sófocles tenha tomado do mito o enredo da história, as figuras lendárias apresentam-se com a face humanizada, agitam-se e questionam o destino. A todo o momento emerge a força nova da vontade que se recusa a sucumbir aos desígnios divinos e tenta transcender o que lhe é dado, por meio de um ato de liberdade. Quando a intuição de Édipo lhe indica ser próprio o assassino procurado em Tebas, leva o inquérito até o fim, como se estivesse em busca da própria identidade (“O dia de hoje te fará nascer e te matará”).
Se no final vence o irracional, no entanto Édipo não foi um ser passivo. A tragédia consiste justamente em revelar a contradição entre determinismo e liberdade, na luta contra o destino levada a cabo pela pessoa que surge como ser de vontade. Quando no final Édipo se cega, diz: “Apolo me culminou com os mais horrorosos sofrimentos. Mas estes olhos vazios não são obra minha.”
A tentativa de reflexão retrata o logos nascente. Daí em diante a filosofia representará o esforço da razão em compreender o mundo o orientar a razão.
2. Concepções gregas e medievais
No século V a. C., no período clássico da filosofia grega, os sofistas rejeitam a tradição mítica ao admitir que os princípios morais resultam de convenções humanas. Embora na mesma linha de oposição aos fundamentos religiosos, Sócrates se contrapõe aos sofistas ao buscar aqueles princípios na natureza humana, e não nas convenções.
Inúmeros são os diálogos em que Platão descreve as discussões socráticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta daí a convicção de que a virtude se identifica com a sabedoria e o vício com a ignorância: portanto, a virtude pode ser aprendida. Na célebre passagem de A República em que Platão descreve o mito da caverna, reaparece essa idéia: o sábio é o único capaz de se soltar das amarras que o obrigam a ver apenas sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o sol, que representa a idéia do Bem.
Portanto, “alcançar o bem” se relaciona com a capacidade de “compreender bem”. Só o filósofo atinge o nível mais alto de sabedoria, só a ele cabe a virtude maior da justiça e, portanto lhe é reservada a função de governar. Outras virtudes menores, mas também importantes para a cidade caberão aos soldados defensores da polis e aos trabalhadores comuns, artesãos e comerciantes.
Herdeiro do pensamento de Platão, Aristóteles (século V a. C) aprofunda discussão a respeito das questões éticas. Para ele, porém, o ser humano busca a felicidade, que consiste não nos prazeres nem na riqueza, e sim na vida teórica e contemplativa cuja plena realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade.
O que há de comum no pensamento dos filósofos gregos é a concepção de que a virtude resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixões. Além disso, o sujeito moral não pode ser compreendido ainda, como nos tempo atuais, na sua completa individualidade. Os gregos são antes de tudo cidadãos, membros integrantes de uma comunidade, de modo que a ética se acha intrinsecamente ligada à política.
No período helenista (séculos III e II a. C.), os filósofos se ocupam predominantemente com questões morais, destacando-se duas tendências, o hedonismo e o estoicismo.
Para os hedonistas (do grego hedoné, “prazer”), o bem se encontra no prazer. Ao contrário do que se poderia supor, o principal representante do hedonismo grego, Epicuro (341 – 270 a. C.), considera os prazeres do corpo são causas de ansiedade e sofrimento. Para permanecer imperturbável, a alma precisa desprezar os prazeres materiais, o que leva Epicuro a privilegiar os prazeres espirituais, sobretudo os que dizem respeito à amizade.Na mesma época, o estóico Zenão de Cítio (336-264) despreza os prazeres em geral, por considerá-los fonte de muitos males. As paixões devem ser eliminadas porque só provocam sofrimento e por isso a virtude do sábio, que vive de acordo com a natureza e a razão, consiste em aceitar com impassibilidade o destino e a dor. As teorias estóicas forma bem-aceitas pelo cristianismo ainda na época do Império Romano, fecundando as idéias ascéticas do período medieval.
Durante a Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez com que os valores religiosos impregnassem as concepções éticas, de modo que os critérios do bem e do mal se achavam vinculados à fé e dependiam da esperança da vida após a morte. Na perspectiva religiosa, os valores são considerados transcendentes porque resultam de doação divina, o que determina a identificação do sujeito moral com o ser temente a Deus.
3. A moral iluminista
A partir da Idade Moderna, a moral se trona laica, secularizada. Ou seja, ser moral e ser religioso não são pólos inseparáveis, sendo perfeitamente possível que um ateu seja moral, e mais ainda, que o fundamento dos valores não se encontre em Deus, mas no próprio ser humano. No século XVII é importante a reflexão levada a efeito por Espinosa em sua obra Ética.
O movimento intelectual do século XVIII conhecido como Iluminismo, Ilustração ou Aufklärung e que caracteriza o chamado Século das Luzes exalta a capacidade humana de conhecer e agir pela “luz da razão”. Critica a religião, que submete o indivíduo à heteronomia, que o subjuga a preconceitos e o conduz ao fanatismo. Rejeita toda tutela que resulta do princípio de autoridade. Em contraposição, defende o ideal de tolerância e autonomia.
No lugar de explicações religiosas, a Ilustração fornece três tipos de justificação para a norma moral: ela se funda na lei natural (teses jusnaturalistas), no interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e evitação da dor) e própria razão (tese kantiana).
4. Nietzsche: a transvalorização dos valores
O pensamento de Nietzsche (1844-1900) se orienta no sentido de recuperar as forças inconscientes, vitais, instintivas, subjugadas pela razão durante séculos. Para tanto, critica Sócrates por ter sido o primeiro a encaminhar a reflexão moral em direção do controle racional das paixões. Segundo Nietzsche, a tendência de desconfiança nos instintos culmina com o cristianismo, que acelera a “domesticação” do ser humano. Em diversas obras, como Sobre a genealogia da moral, Para além do bem e do mal e Crepúsculo dos Ídolos, em estilo apaixonado e mordaz, Nietzsche faz a análise histórica da moral e denuncia a incompatibilidade entre esta e a vida. Em outras palavras, sob o domínio da moral, o ser humano se enfraquece, tornando-se doentio e culpado. Nietzsche relembra a Grécia homérica, do tempo das epopéias e das tragédias, momento em que predominam os verdadeiros valores aristocráticos, quando a virtude reside na força e na potência, como atributo do guerreiro belo e bom, amado dos deuses. Nessa perspectiva, o inimigo não é mau: “Em Homero, tanto o grego quanto o troiano são bons. Não passa por mau aquele que nos inflige algum dano, mas aquele que é desprezível.
Ao fazer a crítica da moral tradicional, Nietzsche preconiza a “transvalorização de todos os valores”. Diz Scarlett Marton: “A noção nietzschiana de valor opera uma subversão crítica: ela põe de imediato a questão do valor dos valores e esta, ao ser colocada, levanta a pergunta pela criação dos valores. Se até agora não se pôs em causa o valor dos valores ‘bem e mal’, é porque se supôs que existiram desde sempre; instituídos num além, encontravam legitimidade num mundo supra-sensível. No entanto, uma vez questionados, revelam-se apenas ‘humanos, demasiado humanos’; em algum momento e em algum lugar simplesmente foram criados’. (2)
Nietzsche denuncia a falsa moral, “decadente”, “de rebanho”, “de escravos”, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a ela a moral “de senhores”, moral positiva que visa à conservação da vida e dos seus instintos fundamentais. A moral de senhores é positiva, porque baseada no sim à vida, e se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo. Funda-se na capacidade de criação, de invenção, cujo resultado é a alegria, conseqüência da afirmação da potência. O indivíduo que consegue superar-se é o Super homem (Übermensch, expressão alemã que significa “além-do-homem”, “sobre-humano”, “que transpõe o pensamento socrático-platônico (que provoca a ruptura entre o trágico e o racional) e a tradição judaico-cristã, da qual derivara a moral dos escravos, moral decadente, porque baseada na tentativa de subjugação dos instintos pela razão. O homem-fera, animal de rapina, é transformado em animal doméstico ou cordeiro. A moral plebéia estabelece um sistema e juízos que considera o bem e o mal valores metafísicos transcendentes, isto é, independentes da situação concreta vivida.
A moral de escravos nega os valores vitais e resulta na passividade, na procura da paz e do repouso. O indivíduo se torna enfraquecido e diminuído em sua potência. A alegria é transformada em ódio à vida, o ódio dos impotentes. A conduta humana, orientada pelo ideal ascético, torna-se marcada pelo ressentimento e pela má consciência.
O ressentimento nasce da fraqueza e é nocivo ao fraco. O indivíduo ressentido, incapaz de esquecer, é como o dispéptico: fica “envenenado” pela sua inveja e impotência de vingança. Ao contrário, o indivíduo nobre sabe “digerir” suas experiências, e esquecer é uma condição de manter-se saudável. A má consciência ou sentimento de culpa é o ressentimento voltado contra si mesmo, daí fazendo nascer a noção de pecado, que inibe a ação. O ideal ascético nega a alegria da vida e coloca a mortificação como meio para alcançar a outra vida num mundo superior, do além. Assim, as práticas de altruísmo destroem o amor de si, domesticando os instintos e produzido gerações de fracos.
“É por isso que contra o enfraquecimento do homem, contra a transformação de fortes em fracos – tema constante da reflexão nietzschiana – é necessário assumir uma perspectiva além de bem e mal, isto é, ‘além da moral’. Mas, por outro lado, para além de bem e mal não significa para além do bom e mau. A dimensão das forças, dos instintos, da vontade de potência, permanece fundamental. ‘O que é bom? Tudo que intensifica no homem o sentimento de potência, a vontade de potência, a própria potência. O que é mau? Tudo que provém da fraqueza’”. (3)
5. Freud: as ilusões da consciência
As crenças racionalistas do poder de controlar os desejos e tornar-se o centro de suas próprias decisões foram seriamente abaladas pela teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939). Ao levantar a hipótese do inconsciente, Freud descobre o mundo oculto da vida das pulsões, dos desejos, da energia primária da sexualidade e agressividade, que se encontram na raiz de todos os comportamentos humanos, mesmo daqueles que à primeira vista não aparecem como sendo de natureza sexual.
Para Freud, o ego, como instância consciente da personalidade, é de tal forma pressionado por conflitos entre as forças pulsionais (vindas do id) e as regras sociais (introjetadas pelo superego), que nem sempre consegue agir de modo equilibrado. Ao explicar os mecanismos da repressão, revela que o neurótico não tem consciência plena dos determinantes da sua ação. Ora, se a moral supõe a autonomia, nada mais distante disso do que o comportamento resultante da repressão dos impulsos.
Não resta dúvida de que o amplo desenvolvimento da psicanálise levou a uma nova concepção de moral cada vez mais orientada na direção do sujeito concreto, com ênfase nos valores da vida e da espontaneidade, o que certamente ajudou na superação de preconceitos e comportamentos hipócritas, bem como na valorização do corpo e das paixões.
Se por um lado isso foi saudável, pois a repressão sempre desencadeia formas doentias de comportamento, por outro dificultou para muitos (embora não propriamente para Freud e para os psicanalistas) a compreensão clara de que o reconhecimento e o controle dos desejos (e não a repressão deles) é indispensável para o adentramento no mundo adulto e a realização da vida moral. É nesse sentido que o próprio Freud termina a quarta lição de sua famosa palestra Cinco lições de psicanaláse com a seguinte observação: Se quiserem, podem definir o tratamento psicanalítico como simples aperfeiçoamento educativo destinado a vencer os resíduos infantis.”
Essa educação consiste não na repressão do desejo, mas na sua aceitação, na recusa consciente, ou no adiamento, além das formas da sublimação.
6. A filosofia da existência
No século XIX, o filósofo dinamarquês Kierkegaard foi o primeiro a descrever a angústia como experiência fundamental do ser livre ao se colocar em situação de escolha. Mais tarde, no século seguinte, os existencialistas continuam o caminho por ele aberto, tentando compreender a singularidade da escolha livre.
Embora tenha se preocupado com a questão da existência, o filósofo Martin Heidegger (1889-1976) recusa ser enquadrado entre os filósofos existencialistas, argumentando que as reflexões acerca da existência são, na sua filosofia, apenas introdução à análise do problema do Ser, e não propriamente da existência pessoal. Mas não resta dúvida de que inspirou o pensamento dos existencialistas.
Heidegger, discípulo de Husserl, na obra Ser e tempo segue o método fenomenológico para discutir e elaborar uma teoria do Ser. Assim, parte da análise do ser do homem, que ele denomina Dasein. Esta expressão alemã significa justamente o “ser-aí”, isto é, um ser-no-mundo. Retomando a noção de intencionalidade, o ser humano não constitui uma consciência separada do mundo: ser é “estourar”, “eclodir” no mundo. O “ser-aí” não é a consciência separado do mundo, mas está numa situação dada, toma conhecimento do mundo que ele próprio não criou e ao qual se acha submetido em um primeiro instante. A isso chamamos facticidade. Além da herança biológica, o indivíduo recebe a herança cultural, que depende do tempo e do lugar em que nasceu.
A partir do “ser-aí”, Heidegger demonstra a especificidade humana, que é a existência. Se o indivíduo é lançado no mundo de maneira passiva, pode tomar a iniciativa de descobrir o sentido da existência e orientar suas ações nas mais diversas direções. A isso se chama transcendência. Nesse procedimento, descobre a temporalidade, pois ao tentar compreender o seu ser, dá sentido ao passado e projeta o futuro. Ao superar a facticidade, atinge um estágio superior, que é a Existenz, a pura existência do Dasein. Essa passagem, porém, não é feita sem dificuldade porque, mergulhado na facticidade, tende a recusar seu próprio ser, cujo sentido se anuncia, mas que ainda se acha oculto. A angústia retira o indivíduo do cotidiano e o reconduz ao encontro de si mesmo. A angústia retira o indivíduo do cotidiano e o reconduz ao encontro de si mesmo. A angústia surge na tensão entre o que ele é e aquilo que virá a ser, como dono do seu próprio destino.
Do sentido que o ser humano imprime à sua atenção, decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida. O indivíduo inautêntico é o que se desagrada vivendo de acordo com verdades e normas dadas; a despersonalização o faz mergulhar no anonimato, que anula qualquer originalidade. É o que Heidegger chama “mundo do man” (em alemão, man significa “se”) e que designa a impessoalidade: come-se, bebe-se, vive-se, como todos comem, bebem, vivem. Ao contrário, a pessoa autêntica é aquela que se projeta no tempo, sempre em direção ao futuro. A existência é o lançar-se contínuo às possibilidades sempre renovadas.
Entre as possibilidades, a pessoa vislumbra uma delas, privilegiada e inexorável: a morte. O “ser-aí” é um “ser-para-a-morte”. A máxima “situaçãp-limite”, que é a morte, ao aparecer no cotidiano, possibilita-lhe o olhar crítico sobre a existência. É característica da inautenticidade abordar a morte como “morte na terceira pessoa”, ou seja, a morte dos outros, evitando tematizar a própria finitude e, portanto, nunca questionando a própria existência.
· Sartre e o existencialismo
Jean-Paul Sartre (1905-1980) escreveu O ser e o nada, sua principal obra filosófica, em 1943. Seu pensamento é muito conhecido e gerou, inclusive, uma “moda existencialista”, também pelo fato de ter se tornado famoso romancista e teatrólogo. Sua produção intelectual é fortemente marcada pela Segunda Guerra Mundial e pela ocupação nazista da França.
Podemos dizer que há um Sartre de antes da guerra e outro pós-guerra, tal o impacto da Resistência Francesa sobre sua concepção política de engajamento. Engajamento siginifica a necssidade de se estar voltado para a análise da situação concreta em que se vive, solidário nos acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. Pelo engajamento, a liberdade deixa de ser apenas imaginária e se compromete na ação. Ao escrever a peça de teatro As moscas, que versa sobre o mito grego de Orestes e Electra, Sartre na verdade faz uma alegoria da ocupação alemã em Paris, inaugurando, com essa obra, o chamado “teatro de situação”.
Esse envolvimento com a política do seu tempo também se reflete na discussão da moral do sujeito concreto. Podemos observar esse tipo de preocupação claramente formulada na seguinte passagem: “O conteúdo [da mora] é sempre concreto e por conseguinte imprevisível; há sempre invenção. A única coisa que conta é saber se a invenção que se faz, se faz em nome da liberdade.
Para entendermos melhor essa concepção é preciso começarmos pela análise de uma frase fundamental do existencialismo sartreano: “a existência precede da essência”. Ora, segundo as concepções tradicionais, o ser humano possui uma essência, uma natureza humana universal, da mesma forma que todas as coisas têm essência. Por exemplo, a essência de uma mesa é o ser mesmo da mesa, aquilo que faz com que ela seja grande ou pequena, mas que tenha características que nos permitam usá-la como mesa.
Não é essa, no entanto, a posição de Sartre, para quem, ao contrário das coisas e animais, no ser humano a existência precede a, e isso “significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo”.
Qual é a diferença entre o ser humano e as coisas? É que só ele é livre, porque nada mais é do que o seu projeto. A palavra pro-jeto significa, etimologicamente, “ser lançado adiante”, assim como o sufixo ex da palavra existir significa “fora”. Ora, só o ser humano existe (ex-siste) porque, sendo consciente, é um “ser-para-si”, já que a consciência é auto-reflexiva, pensa sobre si mesma, é capaz de por-se “fora” de i. Portanto, a consciência distingue o ser humano das coisas e dos animais, que são “em-si”, ou seja, não são capazes de se colocar”do lado de fora” para se auto-examinarem.
O que aconteceu ao indivíduo quando se percebe “para-si”, aberto à possibilidade de construir ele próprio a sua existência? Descobre que não há essência ou modelo para lhe orientar o caminho e que seu futuro se encontra disponível e aberto; portanto, está irremediavelmente “condenado a ser livre”. Sartre cita a frase de Dostoiévisk em Os irmãos Karamazov: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”, para lembrar que os valores não são dados nem por Deus nem pela tradição; só ao próprio indivíduo cabe inventá-los.
Eis que, ao experimentar a liberdade, a ao sentir-se como um vazio, o indivíduo vive a angústia da escolha. Muitas pessoas não suportaram a angústia da escolha. Muitas pessoas não suportam essa angústia, fogem dela, aninhando-se na má-fé. A má-fé é a atitude característica de quem finge escolher, sem na verdade escolher. Imagina que seu destino está traçado; aceita a verdades exteriores, “mente” para si mesmo e simula ser ele próprio o autor dos seus atos, já que aceitou sem críticas os valores dados. Não se trata de uma mentira, pois esta supõe os outros para quem mentimos, enquanto a má-fé se caracteriza pelo fato de o indivíduo dissimular para si mesmo, com o objetivo de evitar fazer uma escolha pela qual possa se responsabilizar.
Aquele que recusa a liberdade torna-se “safado”, “sujo” (salaud, em francês), pois nesse processo despreza a dimensão do “para-si” e torna-se “em–si”, semelhante às coisas. Perde a transcendência e reduz-se à facticidade. Sartre chama de espírito de seriedade esse comportamento de recusa da liberdade para viver o conformismo e a “respeitabilidade” da ordem estabelecida e da tradição. Esse processo é exemplificado no conto A infância de um chefe.
A partir do que foi dito a respeito do existencialismo, poderíamos supor que Sartre defende o individualismo, cada um preocupado com a própria liberdade e ação. Contra esse mal entendido, adverte: “Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens. [...] Com efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos. Se a existência, por outro lado, precede a essência e se quisermos existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade.
Segundo alguns autores, vários problemas surgem no pensamento sartreano, desencadeados pela consciência capaz de criar valores e, ao mesmo tempo, de se responsabilizar por toda a humanidade, o que parece gerar uma contradição indissolúvel. Sartre se coloca nos limites da ambigüidade, pois, se a moral é impossível porque o rigor de um princípio leva à sua destruição, por outro lado a realização humana e da sua liberdade exige o comportamento moral. Sartre sempre prometeu escrever um livro sobre moral, mas não realizou seu projeto.


7. Fenomenologia
O conhecimento da realidade essencial dos fenômenos e a possibilidade desse conhecimento foi preocupação constante da filosofia até princípios do século XX, quando a fenomenologia deixou de olhar para os elementos exteriores que cercam os fenômenos e passou a considerá-los em si mesmo, por seu reflexo na consciência, como única maneira de apreendê-los.
Fenomenologia é o estudo dos fenômenos em si mesmos, independentemente dos condicionamentos exteriores a eles, cuja finalidade é apreender sua essência, estrutura de sua significação. É também um método de redução, pelo qual o conhecimento factual e as suposições racionais sobre os fenômenos como objeto, e a experiência do eu, são postas de lado, para que a intuição pura da essência do fenômeno possa ser rigorosamente analisada. É o estudo dos fenômenos, distinto do estudo do ser, ou ontologia.
Na história da filosofia, a fenomenologia tem três significados especiais. Na segunda metade do século XVIII, era sinônima de “teoria das aparências”, expressão cunhada pelo filósofo Jean-Henri Lambert para distinguir a aparência das coisas do que elas são em si mesmas. Com Hegel, em Phänomenologie des Geistes (1807; Fenomenologia do espírito), é uma espécie de lógica do conteúdo e uma introdução à filosofia, história das fases sucessivas, das aproximações e das oposições pelas quais o espírito se eleva da sensação individual à razão universal, ou, para usar sua fórmula: "é a ciência da experiência que faz a consciência". Foi com Husserl que a palavra ganhou, nas primeiras décadas do século XX, o significado de que hoje se reveste, de estudo dos fenômenos em si mesmos, que visa à evidência primordial, e de denominação de um movimento que influiu de modo significativo no pensamento filosófico dessa época.
A fenomenologia husserliana é uma meditação sobre o conhecimento. Considera que aquilo que é dado à consciência é o fenômeno (objeto do conhecimento imediato). Esse fenômeno só aparece numa consciência; portanto, é a essa consciência que é preciso interrogar, deixando de lado tudo o que lhe é exterior. A consciência, para Husserl, só pode ser entendida como intencional, isto é, não está fechada em si mesma, mas define-se como uma certa maneira de perceber o mundo e seus objetos. Mostrar os diversos aspectos pelos quais a consciência percebe esses objetos e sob os quais eles lhe aparecem, o que a sua presença supõe, constitui o estudo e o objetivo essencial da fenomenologia.
Para Husserl, portanto, a tarefa da filosofia é a pesquisa, exame e descrição do fenômeno, como conteúdo da consciência. Trata-se de uma mudança radical de sentido na orientação filosófica, antes voltada para as coisas, para o mundo exterior, e que com ele passou a interessar-se pela consciência, pelo mundo interior. Assim, por exemplo, se alguém vê as folhas de uma palmeira serem agitadas pelo vento, essa experiência é, toda ela, um fenômeno interior, que se passa essencialmente dentro da consciência. Os objetos exteriores são apenas condições para que se crie a percepção, a vivência desse fenômeno interior. A fenomenologia se prende, por meio da atitude reflexiva, nesses fenômenos ou estados da consciência e prescinde da realidade exterior das coisas, ou como diz Husserl, coloca-se entre parênteses. É o que ele chama de epokhé, ou seja, o ato de liberar a atenção do exterior para que ela se detenha na análise da vivência ou experiência pura.
A fenomenologia é, portanto, uma descrição daquilo que se mostra por si mesmo, de acordo com o "princípio dos princípios": toda intuição primordial é fonte legítima de conhecimento. Situa-se como anterior a toda crença e juízo e despreza todo e qualquer pressuposto: mundo natural, senso comum, proposição científica ou experiência psicológica.
Essa mudança de orientação teve grande importância para a filosofia, pois a eximiu de cuidar da explicação do mundo e das coisas. A ciência é que explica o mundo e seus aspectos acessíveis à nossa experiência. Ao voltar-se para o conteúdo ou para o fenômeno existente na consciência, a fenomenologia encontrou um objeto que a capacita a transformar-se em ciência autêntica, como pretendia seu fundador. Esse conteúdo é antes suscetível de descrição do que de medida. Fazer tal descrição é a tarefa dessa filosofia.
Os críticos da obra de Husserl dividem-se em dois grupos principais. De um lado estão os que, como os neokantianos, concordam em que a fenomenologia se realizou como perspectiva ontológica; do outro, os que sustentam que ela significou apenas uma tomada de posição epistemológica, como Nicolaio Hartman. Em outras palavras, os que admitem ser ela uma perspectiva do ser, e os que a consideram apenas como uma investigação do conhecer.
Em seus primeiros escritos, Husserl não põe em dúvida a existência dos objetos independentemente dos atos mentais. Mais tarde, introduz a noção problemática de uma redução transcendental fenomênica, mediante a qual se descobre o ego (o eu) transcendental, diferente do ego fenomênico da consciência ordinária. Em conseqüência, Husserl passa de um realismo primitivo a uma modalidade de idealismo kantiano. Sua influência foi muito profunda, em especial entre os existencialistas (Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty) que, apesar de se considerarem fenomenologistas, preocupavam-se mais com a ação do que com o conhecimento.
Em psicologia, fenomenologia é um método de descrição e análise desenvolvido a partir da fenomenologia filosófica, aplicado à percepção subjetiva dos fenômenos e à consciência, em especial nos campos da psicologia da Gestalt, análise existencial e psiquiátrica.
8. Existencialismo
Existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana. É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos. Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações. O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida. Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer". Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.
a. Somos os responsáveis por nossa existência

Se o homem primeiro existe e depois se faz por suas ações, ele é um projeto - é aquele que se lança no futuro, nas suas possibilidades de realização. O que isso quer dizer? Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário). E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9). Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia. "Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.
b. O peso e a importância da liberdade

Mas ao escolher a si próprio, a sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. João é casado e tem três filhos: fez uma opção pela monogamia e a família tradicional. Já seu amigo José é filiado a um partido político e vai para o trabalho de bicicleta: acha correta a participação política e se preocupa com o meio ambiente. As escolhas de José e João têm um valor universal. Ao fazer algo, deveríamos nos perguntar: e se todos agissem da mesma forma, o mundo seria um lugar melhor de se viver? E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade. Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica. À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.
c. Outros pensadores existencialistas

Desde Sócrates (470 a.C.- 399 a.C), muitos filósofos refletiram sobre a existência humana, passando pelos estóicos, Santo Agostinho (354-430), Blaise Pascal (1623-1662), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Henri Bergson (1859-1941), mas nem por isso podem ser chamados de filósofos existencialistas. Mesmo entre os pensadores alinhados às doutrinas da existência, encontram-se posições diversas que vão do chamado existencialismo cristão, representado pelo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) - considerado o precursor do movimento -, o francês Gabriel Marcel (1889-1973) e o alemão Karl Jaspers (1883-1969), até o existencialismo ateu, do próprio Sartre, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e dos escritores franceses Albert Camus (1913-1960) e Simone de Beauvoir (1908-1986).




Bibliografia

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia. Ed. Moderna – São Paulo, 2003.
http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/pragmatismo.htm
http://www.benitopepe.com/2009/03/modernidade-e-crise-da-modernidade.html
http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm
http://educacao.uol.com.br/filosofia/existencialismo.jhtm
http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/fenomenologia.htm


Notas
(1) NUNES, Benedito. A filosofia contemporânea.
(2) NIETZSCHE, F. “Introdução teorética sobre verdade e mentira no sentido extramoral”. In MARTON, Scarlett. Nietzsche, a transvalorização dos valores.
(3) FOUCAULT, Michel. A metafísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979. P. 218.
(4) MARTON. Scarlett. Nietzsche, a transvalorização dos valores. São Paulo, Moderna, 1993. p. 50
(5) MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro, Rocco, 1984. p. 77

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Exercício para os alunos do 2º ano

Caros alunos do 2º ano,
segue o exercício para ser feito em casa e apresentado para mim na próxima aula (primeira aula da semana entre os dias 17 a 21/08:

1. Faça um pequeno resumo de cada um dos itens abaixo:
a). O pensamento cartesiano
b). O empirismo inglês
c). As características do Iluminismo
d). O criticismo kantiano

2. Faça um quadro comparativo entre racionalismo e empirismo.

3. Atribua a citação seguinte a Descartes ou a Locke e justifique a sua resposta: "...penso não haver mais dúvida de que não princípios práticos com os quais todos os homens concordam e, portanto, nenhum é inato".

Exercícios para os alunos do 3º anoo

Caríssimos alunos,
segue o exercício a respeito de positivismo.

Responder as questões no caderno e levar para que eu olhe na primeira aula da semana de 17 a 21 de agosto:

1. Em que sentido García Morente afirma que o "positivismo é a morte da filosofia"?

2. Analise e justifique o dístico "Ordem e Progresso" da bandeira nacional.

3. Leia o refrão da música de Geraldo Vandré, "Para não dizer que não falei das flores" e faça uma dissertação sobre o tema.

Vem, vamos embora que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Centro de Ensino Médio 01 Riacho Fundo I
Disciplina Filosofia
Professora: Fernanda Cordova

Apostila 2º ano

Idade Moderna e Ilustração

1. O paradigma da modernidade

O século XVII representa a culminação de um processo em que se subverteu a imagem do mundo que o cerca. A emergência do mundo burguês e o desenvolvimento da física, que se exprime matematicamente, constituem aspectos de uma mesma realidade cultural em transformação. A atividade filosófica, a partir daí, reinicia outro trajeto: ela se desdobra como reflexão cujo pano de fundo é a existência dessa ciência.
A revolução científica quebra o modelo de inteligibilidade do aristotelismo, o que provoca, nos novos pensadores, o receio de se enganar novamente. A procura da maneira de evitar o erro faz surgir a principal indagação do pensamento moderno: a questão do método, que centraliza as atenções não apensas no conhecimento do ser (metafísica), mas sobretudo no problema do conhecimento (teoria do conhecimento ou epistemologia).
Podemos dizer que até então os filósofos se caracterizam pela atitude realista, no sentido de não colocarem em xeque a realidade do mundo. Na Idade Moderna é invertido o pólo de atenção, ao centralizar no sujeito a questão do conhecimento.
Segundo a tradição, o conhecimento decorre da idéia que o sujeito tem do objeto. Mas qual é o critério de certeza para saber se o pensamento concorda como o objeto? As soluções apresentadas dão origem a duas correntes filosóficas, o racionalismo e empirismo.

2. Racionalismo cartesiano


René Descartes (1596 – 1650), também conhecido pelo nome latino de Cartesius (daí seu pensamento ser conhecido como “cartesiano”), é considerado o “pai da filosofia moderna”. Nas obras Discurso do método e Meditações metafísicas trata do problema do conhecimento.
O filósofo tem como ponto de partida a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida; por isso, converte a dúvida em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade do seu próprio corpo.

· O cogito, Deus e o mundo

Descartes só interrompe a cadeia de dúvidas diante do seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso; se penso, existo: “Cogito ergo sum”, Penso, logo existo”. Eis aí o fundamento para a construção de toda a sua filosofia. Mas este “eu” cartesiano é puro pensamento, uma res cogitans (um ser pensante), já que, no caminho da dúvida, a realidade do corpo (res extensa, coisa extensa, material) foi colocada em questão.
A partir dessa intuição primeira (a existência do ser que pensa), que é indubitável, Descartes distingue os diversos tipos de idéias, percebendo que algumas são duvidosas e confusas e outras são claras e distintas. Por intuição, o filósofo entende “não o testamento mutável dos sentidos ou o juízo falaz [enganoso] de uma imaginação que compõe Mac o seu objeto, mas a concepção de um espírito puro e atento, tão fácil e distinta, que nenhuma dúvida resta sobre o que compreendemos”.
As idéias claras e distintas são idéias gerais que não derivam do particular, mas já se encontram no espírito, como fundamentação para a apreensão de outras verdades. São as idéias inatas, verdadeiras, não sujeitas a erro, pois vêm da razão, independentes das idéias que “vêm de fora”, formadas pela ação dos sentidos, e das outras que nós formamos pela imaginação. Inatas porque são inerentes à nossa capacidade de pensar. Por exemplo, a primeira idéia inata, porque clara e distinta, é o cogito, pelo qual o ser humano se descobre como res cogitans, isto é, como ser pensante. São inatas também as idéias da infinitude e da perfeição de Deus e as idéias de extensão e movimento, constitutivas do mundo físico. Nesse sentido, o ser humano é compreendido como res cogitan (coisa pensante) e res extensa (coisa extensa).
Embora o conceito de idéias claras e distintas resolva alguns problemas com relação à verdade de parte do nosso conhecimento, não dá garantia alguma de que o objeto pensado corresponda a uma realidade fora do pensamento. Como sair do próprio pensamento e recuperar o mundo do qual tinha duvidado? Para resolver essa questão, Descartes lança mão da é famosa prova ontológica da existência de Deus. O pensamento deste objeto – Deus – é a idéia e um ser perfeito; se um ser é perfeito, deve ter a perfeição da existência, senão lhe faltaria algo para ser perfeito. Portanto, ele existe. Se Deus é garantia de que os objetos pensados por idéias claras e distintas são reais. Portanto, o mundo tem realidade. E, dentre as coisas do mundo, o meu próprio corpo existe.

· Conseqüências do cogito
Podemos perceber no percurso realizado por Descartes uma incontestável valorização da razão, do entendimento, do intelecto. Como conseqüência, estabelece-se o caráter originário do cogito como auto-evidência do sujeito pensante e princípio de todas as evidências. Acentua-se o caráter absoluto e universal da razão que, partindo do cogito, e só com suas próprias forças, descobre todas as verdades possíveis. Daí a importância de um método de pensamento como garantia de que as imagens mentais, ou representações da razão, correspondam aos objetos a que se referem e que são exteriores a essa mesma razão.
A partir do século XVII, busca-se o ideal matemático, isto é, uma ciência que seja uma mathesis universalis (matemática universal). Isso não significa aplicar a matemática no conhecimento do mundo, mas usar o tipo de conhecimento que lhe é peculiar inteiramente dominado pela inteligência e baseado na ordem e na medida, o que lhe permite estabelecer cadeias de razões.
Outra conseqüência do cogito é o dualismo psicofísico (ou dicotomia corpo-consciência), segundo o qual o ser humano é um ser duplo, composto de substância pensante e substância extensa. Descartes sente dificuldade para conciliar as duas substâncias, cujo antagonismo será objeto de debates durante os dois séculos subseqüentes. De fato, enquanto o corpo é uma realidade física e fisiológica – e, como tal, possui massa, extensão no espaço e movimento, bem como desenvolve atividades de alimentação, digestão, etc. – encontra-se sujeito às leis determinadas da natureza. Por outro lado, as principais atividades da mente, como recordar, raciocinar, conhecer e querer, não têm extensão no espaço nem localização: nesse sentido, não se submetem às leis físicas, antes são a ocasião da expressão da liberdade.
Estabelecem-se, então, dois domínios diferentes: o corpo, objeto de estudo da ciência, e a menção, como veremos, marcará as dificuldades do desenvolvimento das chamadas ciências humanas a partir do final do século XIX.

3. Empirismo inglês

A palavra empirismo vem do grego empeiria, que significa “experiência”. O empirismo, ao contrário do racionalismo, enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento.

· Francis Bacon
Francis Bacon (1561 – 1626), seguindo a tradição empirista inglesa que remonta a Roger Bacon (séc. XIII), realça a significação histórica da ciência e do papel que ela poderia desempenhar na vida da humanidade. Seu lema “saber é poder” valoriza, bem no espírito da nova ciência, não o saber contemplativo e desinteressado, mas o saber instrumental, que possibilite a dominação da natureza. Começa a tomar força o ideal prometéico (1) da ciência.
O interesse de Bacon pelo método da ciência se revela na obra Novun Organon (Novo Órgão), em que “órgão” é entendido como instrumento do pensamento. Critica a lógica aristotélica, opondo ao ideal dedutivista a eficiência da indução como método de descoberta e começa seu trabalho pela denúncia dos preconceitos e noções falsas que dificultam a apreensão da realidade aos quais chama de ídolos (2).
Os ídolos da tribo “estão fundados na própria natureza humana, na própria tribo ou espécie humana. [...] Todas as percepções, tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza e não com o Universo”. Isso significa que muitos dos nossos enganos derivam da tendência ao antropomorfismo.
Os ídolos da caverna são os provenientes “dos homens enquanto indivíduos. Pois, cada um – além das aberrações próprias da natureza em geral – tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza; seja devido à educação ou conversão com os outros.”
Os ídolos do foro são os que advêm, de certa forma, das relações decorrentes do comércio. “Com efeito, os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto. [...] E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis controvérsias e fantasias.”
Os ídolos do teatro são os “ídolos que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e também regras viciosas da demonstração. [...] Ademais, não pensamos apenas nos sistemas filosóficos, na sua universalidade, mas também nos numerosos princípios e axiomas das ciências que entraram em vigor, mercê da tradição, da credulidade e da negligência”.
Francis Bacon desenvolve um estudo pormenorizado da indução a partir da crítica ao caráter estéril do silogismo e insiste na necessidade da experiência e da investigação segundo métodos precisos. Suas falhas se devem a não ter construído um sistema completo, enquanto os exemplos de indução são menos exatos que o método indutivo-dedutivo de Galileu. Além disso, a física de Baco se restringe às qualidades corporais, sem recorrer à matemática, mérito que coube também, e, sobretudo, a Galileu.

· John Locke


Jonh Locke (1632 – 1704) tornou-se conhecido como teórico do liberalismo. O liberalismo político, mas também elaborou importante teoria do conhecimento na obra Ensaio sobre o entendimento humano, cuja reflexão tem por objetivo saber “qual é a essência, qual é a origem, qual o alcance do conhecimento humano”.
Ao investigar a origem das idéias, ao contrário dos filósofos racionalistas, que privilegiam as verdades de razão – típicas da lógica e da matemática - , Locke prefere o caminho “psicológico”. O professor García Morente explica: “A origem de uma idéia, como a idéia de esfera, pode ser considerada psicologicamente ou logicamente. Psicologicamente estudaremos as sensações, as percepções que puderam produzir naturalmente, biologicamente, em nós, a noção de esfera; por exemplo, ter visto objetos dessa forma, naturais ou artificiais. Mas outro sentido da palavra origem é considerar a esfera como originada pelo movimento de meia circunferência girando ao redor do diâmetro”.
Ao escolher o caminho da psicologia, Locke distingue duas fontes possíveis para nossas idéias: a sensação e a reflexão. A sensação é o resultado da modificação feita na mente por meio dos sentidos. A reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que nela ocorre. Portanto, a reflexão se reduz apenas à experiência interna do resultado da experiência externa produzida pela sensação.
O que ocasiona a produção de uma idéia simples na mente é a “qualidade” do objeto. Há qualidades primárias, como a solidez, a extensão, a configuração, o movimento, o repouso e o número, e qualidades secundárias (cor, som, odor, sabor, etc.), que provocam no sujeito determinadas percepções sensíveis. Enquanto as primárias são objetivas, por existirem realmente nas coisas, as secundárias variam de sujeito par sujeito e, como tais, são relativas e subjetivas.
Por meio da análise, o sujeito ata e desata as idéias simples, produzindo as idéias complexas. Estas, já que são formadas pelo intelecto, não têm validade objetiva. São nomes de que nos servimos para denominar e ordenar as coisas. Daí o seu valor prático, e não cognitivo. Se estabelecermos uma comparação com o processo cartesiano, podemos dizer que, enquanto Descartes enfatiza o papel do sujeito no processo do conhecimento, Locke enfatiza o papel do objeto.
Locke critica a doutrina das idéias inatas de Descartes, afirmando que a alma é como uma tabula rasa (tábua sem inscrições), como uma cera em que não há qualquer impressão, e o conhecimento só começa após a experiência sensível. Se houvesse idéias inatas, as crianças já teriam; além disso, a idéia de Deus não se encontra em toda parte, pois há povos sem essa representação ou, pelo menos, sem a representação de Deus como ser perfeito.

· David Hume


David Hume (1711 – 1776), filósofo escocês, leva mais adiante o empirismo de Francis Bacon e Locke. Partindo do princípio de que só podemos observar os fenômenos e de que o mecanismo íntimo do real não é passível de experiência, afirma que as relações são exteriores aos seus termos, ou seja, se não podemos observá-las, não pertencem aos objetos. As relações são apenas modos pelos quais passamos de um objeto a outro, de um termo a outro, de uma idéia particular a outra, simples passagens externas que os permitem associar os termos a partir dos princípios de causalidade, semelhança e contigüidade.
Hume nega, portanto, a validade universal do princípio de causalidade e da noção de necessidade a ele associada. O que observamos é a sucessão de fatos ou a seqüência de eventos e não o nexo causal entre esses mesmos fatos ou eventos. É o hábito criado pela observação de casos semelhantes que nos faz ultrapassar o dado e afirmar mais do que a experiência poder alcançar. A partir desses casos, imaginamos que o fato atual se comportará de forma análoga. A única base para as idéias ditas gerais, portanto, é a crença, que, do ponto de vista do entendimento, faz uma extensão ilegítima dos conceitos.

4. Racionalismo ou empirismo?


Vimos que no século XVII, a partir dos problemas gnosiológicos, ou relativos ao conhecimento, surgem duas correntes opostas: o racionalismo e o empirismo. Exagerando, poderíamos dizer que o racionalismo é o sistema que consiste em limitar o ser humano ao âmbito da própria razão, e o empirismo é o que limita ao âmbito da experiência sensível. Isso não quer dizer que o racionalismo exclua a experiência sensível, mas que esta é apenas a ocasião do conhecimento e está sujeita a enganos. A verdadeira ciência se perfaz no espírito. Para o empirismo, ao contrário, a experiência é fundamental, e o trabalho posterior da razão está a ela subordinado.
Como conseqüência, os racionalistas confiam na capacidade humana de atingir verdades universais, eternas, enquanto os empiristas terminam por questionar o caráter absoluto da verdade, já que o conhecimento parte de uma realidade in fieri (isto é, em transformação constante), em que tudo é relativo ao espaço, ao tempo, ao humano.
No século XVIII, Kant tentará superar a dicotomia racinalismo-empirismo.

5. A Ilustração

O século XVIII é o período conhecido como Iluminismo, Século das Luzes, Ilustração ou Aufklärung (Esclarecimento, em alemão). Como as designações sugerem, trata-se do otimismo no poder das luzes da razão de reorganizar o mundo humano.
Já no Renascimento desenrola-se a luta contra o princípio da autoridade e se buscava o reconhecimento de que pelos seus próprios poderes os seres humanos seriam capazes de tecer a trama de seu caminho. O racionalismo e o empirismo do século XVII (Descartes, Locke e Hume) dão o substrato filosófico dessa reflexão. Descartes justifica o poder da razão de perceber o mundo por sentidos e a experiência na elaboração do conhecimento, Hume coloca em questão a validade universal do princípio de causalidade.
A filosofia do Iluminismo também sobre a influência da revolução científica levada a efeito por Galileu no século XVII. O método experimental recém-descoberto tem a técnica como aliada, fazendo surgir as novas ciências, as quais, por sua vezes, aperfeiçoam ainda mais a tecnologia. Com o seu poder aumentando, o ser humano não mais se contenta a contemplar a harmonia da natureza: quer conhecê-la para dominá-la. Por fim, a natureza passa a ser vista de forma dessacralizada, isto é, desvinculada da religião. Tornando-se livre de qualquer tutela, sabendo-se capaz de procurar soluções para seus problemas com base em princípios racionais, o ser humano estende o uso da razão a todos os domínios: político, econômico, moral e religioso.
A exaltação do poder humano decorre, segundo Desné, do fato de que “a segurança do filósofo é a segurança do burguês que deve à sua inteligência, ao espírito de iniciativa e de previdência, o lugar que tem na sociedade. [...] A emancipação do homem, na qual Kant vê o traço distintivo do Iluminismo, é a emancipação de uma classe, a burguesia, que atinge sua maioridade”.
Nesse momento dá-se o fortalecimento do sistema capitalista como modo de produção predominante, cuja expressão é a Revolução Industrial, marcada pelo aparecimento da máquina a vapor, em meados do século XVIII, e que introduz o processo de mecanização das indústrias.
De fato, o século XVIII é o século das revoluções burguesas: ainda no final do anterior, em 1688, a Revolução Gloriosa na Inglaterra destrona os Stuarts absolutistas e, em 1789, no continente europeu, os Bourbons são depostos com a Revolução Francesa. Também no Novo Mundo ocorrem movimentos de emancipação, como a Independência dos Estados Unidos (1776), e, no Brasil, a Conjuração Baiana (1789) e a Conjuração Baiana.
A influência do Iluminismo se estende por toda a Europa, mas principalmente n a Inglaterra, França e Alemanha.
Na Inglaterra, seus representantes fizeram furor em sua época, sobretudo por serem conhecidos como livres pensadores, no sentido de desenvolverem uma crítica à Igreja oficial e pregarem a tolerância religiosa. Nesse aspecto, são os iniciadores do deísmo, que daí em diante influenciará os demais pensadores iluministas, ainda que a partir de elaborações diferentes do que se entendia por religião natural, além de provocarem reações vigorosas no clero. Entre os deístas ingleses, destacam-se John Toland, discípulo de Locke, além de Antony Collins, Lord Boling-broke, entre outros.
Na França, seus expoentes são Montesquieu, Voltaire, Rousseau. O poder de penetração da Ilustração nesse país se deve, sobretudo, ao caráter vulgarizador da produção de seus filósofos, empenhados em “levar as luzes a todas as pessoas.
Importante nesse processo é a publicação da Enciclopédia, obra imensa cujo trabalho de edição e redação dos verbetes são confiados a diversos intelectuais como Voltaire, Helvetius, Montesquieu, Rousseau, Condillac, D´Allembert, Diderot.
Na Alemanha, o movimento é conhecido como Aufklärung (Esclarecimento). Vale acentuar a especificidade desse “país”, já que não podemos falar em autonomia nacional, porque a unificação alemã só ocorreu no século XIX. Naquele momento, a Alemanha não passa de um agregado de Estados que têm em comum a língua e algumas tradições. A economia feudal ainda predominante impede a ascensão da burguesia rica e esclarecida e mantém o povo na miséria. Além disso, a Alemanha se acha extenuada pela Guerra dos Trinta Anos. Só na segunda metade do século XVIII, começam a aparecer sinais da emancipação intelectual, sobretudo na produção literária como Lessing, Herder, Goethe, Schiller; e na musical, com os descendentes de Bach (Carl Philipp e Joahann C.) e Haendel, Haydn, Mozart, Schubert, Beethoven.
Na filosofia alemã, as expressões maiores são : Wolff, Lessing e Baumgarten. Mas foi Kant o filósofo por excelência desse período, ao criar uma obra sistemática cuja influencia marcará a filosofia posterior.

6. O criticismo kantiano
Immanuel Kant (1724 – 1804) nasceu na Alemanha. Interessado desde o início pela ciência newtoniana, já constituída plenamente no seu tempo, estava atento à confusão conceitual a respeito da natureza do nosso conhecimento. Questiona, na obra Crítica da razão pura, se é possível uma “razão pura” independente da experiência, por isso seu método é conhecido como criticismo. Ao desenvolvê-lo, Kant “desperta do sono dogmático” em que estavam mergulhados os filósofos anteriores, já que eles não questionam a existência da realidade nem duvidam que as idéias da razão correspondam à realidade.
Diante da pergunta “Qual é o verdadeiro valor dos nossos conhecimentos e o que é conhecimento?”, Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento não tem fundamento. Com isso pretende superar a dicotomia racionalismo-empirismo. Condena os empiristas (tudo que conhecemos vem dos sentidos) e, da mesma forma, não concorda com os racionalistas (tudo quanto pensamos vem de nós): o conhecimento deve constar de juízos universais, da mesma maneira que deriva da experiência sensível.
Para superar essa contradição, Kant explica que o conhecimento é constituído de matéria e forma. A matéria dos nossos conhecimentos são as próprias coisas, e a forma somos nós mesmos. Exemplificando: para conhecer as coisas, precisamos da experiência sensível; mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas da nossa sensibilidade, que, por sua vez, são a priori do tempo e o espaço não existem como realidade externa, são antes formas que o sujeito põe nas coisas.
Outro exemplo: quando observamos a natureza a afirmamos que uma coisa “é isto”, ou “tal coisa é causa de outra”, ou “isto existe”, temos, de um lado, coisas que percebemos pelos sentidos, mas, de outro, algo lhes escapa, isto é, as categorias de substância, de causalidade, de existência. Essas três categorias (e outras mais) não vêm da experiência, mas são postas pelo próprio sujeito cognoscente. Portanto, segundo Kant “o nosso conhecimento experimental é composto do que recebemos por impressões e do que a nossa própria faculdade de conhecer de si mesma tira por ocasião de tais impressões.
Kant também conclui não ser possível conhecer as coisas tais como são em si, ou seja, o noumenon (a coisa – em si) é inacessível ao conhecimento. Apenas podemos conhecer os fenômenos, para que, etimologicamente, significa “o que parece”. Kant inova ao afirmar que a realidade não é um dado exterior, ao qual o intelecto deve se conformar, mas, o contrário, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que “aparece” para nós. Portanto, de certa forma, participamos de sua construção.
Prosseguindo a análise da possibilidade do conhecimento, Kant se depara com dificuldades insolúveis ao questionar as realidades da metafísica, tais como a existência de Deus, a imortalidade da alma, a liberdade, a infinitude do universo.
Retomando nosso raciocínio, para Kant, todo o conhecimento é constituído pela forma a priori do espírito e pela matéria fornecida pela experiência sensível. Ora, os seres da metafísica não podem preencher essa segunda exigência: não temos experiência sensível de Deus, por exemplo. Decorre dessa constatação a impossibilidade do conhecimento metafísico, portanto, devemos nos abster de afirmar ou negar qualquer coisa a respeito dessas realidades. Trata-se de um agnosticismo (etimologicamente, a, “não”, e gnosis, “conhecimento”). Somos agnósticos quando consideramos a razão incapaz de afirmar ou negar a existência de Deus. O agnosticismo não se confunde com o ateísmo, pelo qual negamos taxativamente que Deus existe.
Entretanto, em outra obra, Crítica da Razão Prática, Kant tenta recuperar as realidades da metafísica que destruíra no processo anterior. Enquanto a razão pura se ocupa das idéias, a razão prática se volta para a ação moral, que só é possível porque os seres humanos – ao contrario da natureza, sujeita aos determinismos – podem agir mediante ato de vontade, por autodeterminação. Pela análise do mundo ético, Kant recoloca as questões da liberdade humana, da imortalidade da alma e da existência de Deus.
O pensamento Kantiano é conhecido como Idealismo transcendental. A expressão transcendental em Kant significa aquilo que é anterior a toda experiência: “Chamo transcendental todo conhecimento que trata, não tanto dos objetos, como, de modo geral, de nossos conceitos a priori dos objetos”. Mesmo fazendo a crítica do racionalismo e do empirismo, o procedimento Kantiano redunda de idealismo: ainda que reconheça a experiência como fornecedora da matéria do conhecimento, é o nosso espírito, graças às estruturas a priori, que constrói a ordem do universo.



Bibliografia

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia. Ed. Moderna – São Paulo, 2003.