Centro de Ensino Médio 01 Riacho Fundo I
Disciplina Filosofia
Professora: Fernanda Cordova 3ºAno
I. TEORIA DO CONHECIMENTO
1. A crise da modernidade e a crítica ao racionalismo
Chamamos modernidade ao período que se esboça no Renascimento, desenvolvendo-se na Idade Moderna e atinge seu auge na Ilustraçao, no século XVIII. O paradigma de racionalidade que então se delineia é o de uma razão que, liberta de crenças e superstições, funda-se na própria subjetividade e não mais na autoridade. Sob esse aspecto, merece destaque a discussão sobre os métodos, presente na filosofia a partir de Descartes, Bacon, Locke e, no âmbito da ciência, em Galileu, Kepler e Newton.
No entanto, a esperança de encontrar na razão a compreensão da realidade e do sujeito, bem como a possibilidade e agir de forma eficaz sobre a natureza, dominando-a, apresentou-se como empreitada cada vez mais difícil, senão invariável. Desse desconfiança, nutrem-se pensadores que começam a colocar em xeque o primado da razão e aquele modelo de racionalidade, cuja crítica se delineia no final do século XIX e início do XX.
· Antecedentes
Comecemos por dois filósofos que viveram no século XIX, mas cuja influência foi marcante no pensamento do século XX: Kierkegaard e Nietzsche.
Sören Kierkegaard (1813-1885), pensador dinamarquês e precursor do existencialismo contemporâneo, é crítico severo da filosofia moderna, de Descartes a Hegel. Afirma que nela o ser humano não aparece como ser existente, mas como abstração, reduzido ao conhecimento objetivo, quando, na verdade, a existência subjetiva, pela qual o indivíduo toma consciência de si, é irredutível ao pensamento racional, e por isso, mesmo possui valor filosófico fundamental.
A esse respeito, o professor Benedito Nunes completa: “Não se diga, porém, porém, que ela [a existência] é incognoscível. Ao contrário, dada a imediatidade, para o homem, entre ser e existir, o conhecimento que temos da existência é fundamental, prioritário. O homem se conhece a si mesmo como existente. Esse conhecimento, inseparável da experiência individual, não transforma a existência num objeto exterior ao sujeito que conhece”. (1)
Para Kierkegaard, a existência é permeada de contradições que a razão é incapaz de solucionar. Ao criticar o sistema hegeliano, diz que a dialética não encontra o móvel do seu dinamismo no conceito, mas na paixão, sem a qual o espírito não receberia o impulso para o salto qualitativo entendido como decisão, ou seja, como ato de liberdade. Essa consciência das paixões leva o filósofo – também teólogo e pastor evangélico luterano – a meditar sobre a fé religiosa, como estágio superior da vida espiritual. Ou seja, para ele, a mais alta paixão humana é a fé. Mas ela é, também, uma paixão plana de paradoxos.
Friedrich Nietzsche, por sua vez, opera mais um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. Ora, o conferir sentidos é, também, o conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover.
Diz Nietzsche: “O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, um soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são, metáforas que se toraram gastas e sem força sensível,moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”. (2)
A tarefa da filosofia é a de interpretar a “escrita de camadas sobrepostas das expressões e gestos humanos”. O trabalho interpretativo volta-se, em primeiro lugar, para o exame do conjunto do texto metafísico, a fim de desmascarar o modo pelo qual a linguagem passou do nomear as coisas concretas para o sistematizar verdades eternas.
Como método de decifração, Nietzsche propõe a genealogia, que coloca em relevo os diferentes processos de instituição de um texto, mostrando as lacunas, os espaços em branco mais significativos, o que não foi dito ou foi recalcado e que permitiu erigir determinados conceitos em verdades absolutas e eternas. Ao empreender o caráter histórico dos conceitos, bem como dos códigos, esclarecendo sua relação com outros, a genealogia mostra o que eles excluíram para poder chegar à “intemporalidade” da tradição, da autoridade ou da lei. Ao expor a inexistência de significados estáveis, isoláveis, conclui pela ausência de qualquer fundamento rigoroso da verdade metafísica.
Nietzsche mostra, ainda, as origens extraracionais da razão. Para ele, o conhecimento é resultado de uma luta, do compromisso entre instintos. De fato, o destino humano depende da função que se der aos instintos, aos quais se subordinam a consciência e a moral. No entanto, pelo procedimento genealógico, Nietzsche procura adotar um critério para compreender a avaliação que foi feita desses instintos e descobre que o único critério que se impõe é a vida. Diz a esse respeito a professora Scarlett Marton: “Fazer qualquer apreciação passar pelo crivo da vida equivale a perguntar se ela contribui para favorecê-la ou obstruí-la; submeter idéias ou atitudes ao exame genealógico é o mesmo que inquirir se são signos de plenitude de vida ou da sua degeneração; avaliar uma avaliação, enfim, significa questionar se é sintoma de vida ascendente ou declinante”.
Também Marx adverte sobre as ilusões do conhecimento, sobretudo quando descreve os fenômenos da alienação e da ideologia, pelas quais a “verdades” da classe dominante são consideradas universais e impostas à classe dominada, impedindo que ela mesma desenvolva sua própria visão de mundo.
Sigmund Freu (1856-1939), fundador da psicanálise, desmente as crenças racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle dos desejos, ao levantar a hipótese do insconsciente. Diante das forças conflitantes das pulsões, os indivíduo reage, mas desconhece os determinantes de sua ação. Caberá ao processo psicanalítico auxiliá-lo na busca do que foi silenciado pela repressão dos desejos.
2. Michel Foucault
Mais recentemente, o filósofo francês Michel Foucault (192-1984) estabelece um nexo entre saber e poder. Ao contrário da tradição moderna, pela qual o saber antecede o poder, para ele, a verdade não se encontra separada do poder, antes é o poder que gera o saber. Propõe então o processo genealógico pelo qual busca descobrir como a verdade tem sido produzida no âmbito das relações de poder.
Suas investigações se iniciam a partir do exame das condições do nascimento da psiquiatria e pela descoberta de que o saber psiquiátrico não se constitui para entender o que é a loucura, mas como forma de poder que antes propicia o processo de dominação do louco e de seu confinamento em instituições fechadas. Além, disso, os mendigos passam a ser recolhidos em asilos e também se tornam objeto de uma “tática dos mecanismos dualistas da exclusão que separa o louco do não-louco, o perigosos do inofensivo, o normal do anormal”.
Concomitantemente ao confinamento, nos outros setores da sociedade inicia-se, a partir dos séculos XVII e XVIII, os processos disciplinares que visam a tornar os corpos dóceis e submissos. Isso não significa que antes não houvesse disciplina, mas que, a partir daquele momento, ela se torna fórmula geral de dominação exercida em diversos espaços: nos colégios, nos hospitais, na organização militar, na medicalização da sexualidade, nas oficinas, na família. Nesses locais se da o controle do espaço, do temo, dos movimentos, sob um olhar vigilante que se torna introjetado no indivíduo.
A extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao longo daqueles séculos, sua multiplicação no corpo social, define o que se pode chamar de “sociedade disciplinar”. Dessa forma, desenvolve-se uma “microfísica do poder”, porque, para Foucault, o poder não se exerce de um ponto central como o indivíduo, o grupo, a classe ou qualquer instância do Estado, mas está disseminado em uma rede de instituições disciplinares. São as próprias pessoas, nas suas relações recíprocas (pai, professor, vizinho, médico), que, baseando-se no discurso constituído, fazem o poder circular. Cabe à genealogia investigar como e por que esses discursos se formam, que poderes estão na origem deles, ou seja, como o poder produz o saber.
À medida que a burguesia se torna classe dominante a partir do fim do século XVI e início do século XVII, a o capitalismo emergente e depois ao processo de produção industrial, interessa essa micromecânica do poder pela qual se exigem formas de disciplina que excluem os incapazes e inúteis para o trabalho – como loucos e mendigos -, e desenvolvem-se mecanismos de controle, a fim de tornar os corpos dóceis e os comportamentos e sentimentos adequados à nova forma de produção.
Diz Foucault: “A burguesia compreende perfeitamente que uma nova legislação ou uma nova constituição não serao suficientes para garantir sua hegemonia; ela compreende que deve inventar uma nova tecnologia que assegurará a irrigação dos efeitos do poder por todo o corpo social, até mesmo em suas menores partículas”. (3)
II. CONEPÇÕES ÉTICAS
1. Mito, tragédia e filosofia
Uma das características da consciência mítica é a aceitação do destino: os costumes dos ancestrais têm raízes no sobrenatural; as ações humanas são determinadas pelos deuses; em conseqüência, não podemos falar propriamente em comportamento ético, por faltar a dimensão de subjetividade que caracteriza o ato livre e autônomo.
Ao analisarmos a passagem do mito à razão na Grécia Antiga, vemos como se dá o desenvolvimento da consciência crítica. Resta, no entanto, um lapso intermediário caracterizado pela consciência trágica, que foi totalmente superado e ainda não se firmou a consciência filosófica. A tragédia grega floresceu por curto período, e os autores mais famosos foram Ésquilo (525-456 a.C.), Sófocles (496-c. 406 a.C) e Eurípedes (c. 408-406 a. C.). O conteúdo das peças é retirado dos mitos, mas há algo de novo no tratamento dado pelos autores – sobretudo Sófocles – ao relato das façanhas dos heróis.
Tomemos por exemplo a tragédia Édipo-Rei de Sófocles. Nela conta-se que Laio, senhor de Tebas, soube do oráculo que seu filho recém-nascido haveria de assassiná-lo, casando-se em seguida com a própria mãe. Laio antecipa-se ao destino e manda matar o filho, mas suas ordens não são cumpridas, e a criança cresce em lugar distante. Quando adulto, Édipo consulta o oráculo e, ao tomar conhecimento do destino que lhe fora reservado, foge da casa daqueles que supunha ser seus verdadeiros pais a fim de evitar o cumprimento do destino daquela sina. No caminho desentende-se com um estranho – e o mata. Esse desconhecido era, na verdade, seu pai. Entretanto em Tebas, Édipo se casa com Jocasta, viúva de Laio, ignorando ser ela sua mãe. E assim se cumpre o destino.
Mesmo que Sófocles tenha tomado do mito o enredo da história, as figuras lendárias apresentam-se com a face humanizada, agitam-se e questionam o destino. A todo o momento emerge a força nova da vontade que se recusa a sucumbir aos desígnios divinos e tenta transcender o que lhe é dado, por meio de um ato de liberdade. Quando a intuição de Édipo lhe indica ser próprio o assassino procurado em Tebas, leva o inquérito até o fim, como se estivesse em busca da própria identidade (“O dia de hoje te fará nascer e te matará”).
Se no final vence o irracional, no entanto Édipo não foi um ser passivo. A tragédia consiste justamente em revelar a contradição entre determinismo e liberdade, na luta contra o destino levada a cabo pela pessoa que surge como ser de vontade. Quando no final Édipo se cega, diz: “Apolo me culminou com os mais horrorosos sofrimentos. Mas estes olhos vazios não são obra minha.”
A tentativa de reflexão retrata o logos nascente. Daí em diante a filosofia representará o esforço da razão em compreender o mundo o orientar a razão.
2. Concepções gregas e medievais
No século V a. C., no período clássico da filosofia grega, os sofistas rejeitam a tradição mítica ao admitir que os princípios morais resultam de convenções humanas. Embora na mesma linha de oposição aos fundamentos religiosos, Sócrates se contrapõe aos sofistas ao buscar aqueles princípios na natureza humana, e não nas convenções.
Inúmeros são os diálogos em que Platão descreve as discussões socráticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta daí a convicção de que a virtude se identifica com a sabedoria e o vício com a ignorância: portanto, a virtude pode ser aprendida. Na célebre passagem de A República em que Platão descreve o mito da caverna, reaparece essa idéia: o sábio é o único capaz de se soltar das amarras que o obrigam a ver apenas sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o sol, que representa a idéia do Bem.
Portanto, “alcançar o bem” se relaciona com a capacidade de “compreender bem”. Só o filósofo atinge o nível mais alto de sabedoria, só a ele cabe a virtude maior da justiça e, portanto lhe é reservada a função de governar. Outras virtudes menores, mas também importantes para a cidade caberão aos soldados defensores da polis e aos trabalhadores comuns, artesãos e comerciantes.
Herdeiro do pensamento de Platão, Aristóteles (século V a. C) aprofunda discussão a respeito das questões éticas. Para ele, porém, o ser humano busca a felicidade, que consiste não nos prazeres nem na riqueza, e sim na vida teórica e contemplativa cuja plena realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade.
O que há de comum no pensamento dos filósofos gregos é a concepção de que a virtude resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixões. Além disso, o sujeito moral não pode ser compreendido ainda, como nos tempo atuais, na sua completa individualidade. Os gregos são antes de tudo cidadãos, membros integrantes de uma comunidade, de modo que a ética se acha intrinsecamente ligada à política.
No período helenista (séculos III e II a. C.), os filósofos se ocupam predominantemente com questões morais, destacando-se duas tendências, o hedonismo e o estoicismo.
Para os hedonistas (do grego hedoné, “prazer”), o bem se encontra no prazer. Ao contrário do que se poderia supor, o principal representante do hedonismo grego, Epicuro (341 – 270 a. C.), considera os prazeres do corpo são causas de ansiedade e sofrimento. Para permanecer imperturbável, a alma precisa desprezar os prazeres materiais, o que leva Epicuro a privilegiar os prazeres espirituais, sobretudo os que dizem respeito à amizade.Na mesma época, o estóico Zenão de Cítio (336-264) despreza os prazeres em geral, por considerá-los fonte de muitos males. As paixões devem ser eliminadas porque só provocam sofrimento e por isso a virtude do sábio, que vive de acordo com a natureza e a razão, consiste em aceitar com impassibilidade o destino e a dor. As teorias estóicas forma bem-aceitas pelo cristianismo ainda na época do Império Romano, fecundando as idéias ascéticas do período medieval.
Durante a Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez com que os valores religiosos impregnassem as concepções éticas, de modo que os critérios do bem e do mal se achavam vinculados à fé e dependiam da esperança da vida após a morte. Na perspectiva religiosa, os valores são considerados transcendentes porque resultam de doação divina, o que determina a identificação do sujeito moral com o ser temente a Deus.
3. A moral iluminista
A partir da Idade Moderna, a moral se trona laica, secularizada. Ou seja, ser moral e ser religioso não são pólos inseparáveis, sendo perfeitamente possível que um ateu seja moral, e mais ainda, que o fundamento dos valores não se encontre em Deus, mas no próprio ser humano. No século XVII é importante a reflexão levada a efeito por Espinosa em sua obra Ética.
O movimento intelectual do século XVIII conhecido como Iluminismo, Ilustração ou Aufklärung e que caracteriza o chamado Século das Luzes exalta a capacidade humana de conhecer e agir pela “luz da razão”. Critica a religião, que submete o indivíduo à heteronomia, que o subjuga a preconceitos e o conduz ao fanatismo. Rejeita toda tutela que resulta do princípio de autoridade. Em contraposição, defende o ideal de tolerância e autonomia.
No lugar de explicações religiosas, a Ilustração fornece três tipos de justificação para a norma moral: ela se funda na lei natural (teses jusnaturalistas), no interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e evitação da dor) e própria razão (tese kantiana).
4. Nietzsche: a transvalorização dos valores
O pensamento de Nietzsche (1844-1900) se orienta no sentido de recuperar as forças inconscientes, vitais, instintivas, subjugadas pela razão durante séculos. Para tanto, critica Sócrates por ter sido o primeiro a encaminhar a reflexão moral em direção do controle racional das paixões. Segundo Nietzsche, a tendência de desconfiança nos instintos culmina com o cristianismo, que acelera a “domesticação” do ser humano. Em diversas obras, como Sobre a genealogia da moral, Para além do bem e do mal e Crepúsculo dos Ídolos, em estilo apaixonado e mordaz, Nietzsche faz a análise histórica da moral e denuncia a incompatibilidade entre esta e a vida. Em outras palavras, sob o domínio da moral, o ser humano se enfraquece, tornando-se doentio e culpado. Nietzsche relembra a Grécia homérica, do tempo das epopéias e das tragédias, momento em que predominam os verdadeiros valores aristocráticos, quando a virtude reside na força e na potência, como atributo do guerreiro belo e bom, amado dos deuses. Nessa perspectiva, o inimigo não é mau: “Em Homero, tanto o grego quanto o troiano são bons. Não passa por mau aquele que nos inflige algum dano, mas aquele que é desprezível.
Ao fazer a crítica da moral tradicional, Nietzsche preconiza a “transvalorização de todos os valores”. Diz Scarlett Marton: “A noção nietzschiana de valor opera uma subversão crítica: ela põe de imediato a questão do valor dos valores e esta, ao ser colocada, levanta a pergunta pela criação dos valores. Se até agora não se pôs em causa o valor dos valores ‘bem e mal’, é porque se supôs que existiram desde sempre; instituídos num além, encontravam legitimidade num mundo supra-sensível. No entanto, uma vez questionados, revelam-se apenas ‘humanos, demasiado humanos’; em algum momento e em algum lugar simplesmente foram criados’. (2)
Nietzsche denuncia a falsa moral, “decadente”, “de rebanho”, “de escravos”, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a ela a moral “de senhores”, moral positiva que visa à conservação da vida e dos seus instintos fundamentais. A moral de senhores é positiva, porque baseada no sim à vida, e se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo. Funda-se na capacidade de criação, de invenção, cujo resultado é a alegria, conseqüência da afirmação da potência. O indivíduo que consegue superar-se é o Super homem (Übermensch, expressão alemã que significa “além-do-homem”, “sobre-humano”, “que transpõe o pensamento socrático-platônico (que provoca a ruptura entre o trágico e o racional) e a tradição judaico-cristã, da qual derivara a moral dos escravos, moral decadente, porque baseada na tentativa de subjugação dos instintos pela razão. O homem-fera, animal de rapina, é transformado em animal doméstico ou cordeiro. A moral plebéia estabelece um sistema e juízos que considera o bem e o mal valores metafísicos transcendentes, isto é, independentes da situação concreta vivida.
A moral de escravos nega os valores vitais e resulta na passividade, na procura da paz e do repouso. O indivíduo se torna enfraquecido e diminuído em sua potência. A alegria é transformada em ódio à vida, o ódio dos impotentes. A conduta humana, orientada pelo ideal ascético, torna-se marcada pelo ressentimento e pela má consciência.
O ressentimento nasce da fraqueza e é nocivo ao fraco. O indivíduo ressentido, incapaz de esquecer, é como o dispéptico: fica “envenenado” pela sua inveja e impotência de vingança. Ao contrário, o indivíduo nobre sabe “digerir” suas experiências, e esquecer é uma condição de manter-se saudável. A má consciência ou sentimento de culpa é o ressentimento voltado contra si mesmo, daí fazendo nascer a noção de pecado, que inibe a ação. O ideal ascético nega a alegria da vida e coloca a mortificação como meio para alcançar a outra vida num mundo superior, do além. Assim, as práticas de altruísmo destroem o amor de si, domesticando os instintos e produzido gerações de fracos.
“É por isso que contra o enfraquecimento do homem, contra a transformação de fortes em fracos – tema constante da reflexão nietzschiana – é necessário assumir uma perspectiva além de bem e mal, isto é, ‘além da moral’. Mas, por outro lado, para além de bem e mal não significa para além do bom e mau. A dimensão das forças, dos instintos, da vontade de potência, permanece fundamental. ‘O que é bom? Tudo que intensifica no homem o sentimento de potência, a vontade de potência, a própria potência. O que é mau? Tudo que provém da fraqueza’”. (3)
5. Freud: as ilusões da consciência
As crenças racionalistas do poder de controlar os desejos e tornar-se o centro de suas próprias decisões foram seriamente abaladas pela teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939). Ao levantar a hipótese do inconsciente, Freud descobre o mundo oculto da vida das pulsões, dos desejos, da energia primária da sexualidade e agressividade, que se encontram na raiz de todos os comportamentos humanos, mesmo daqueles que à primeira vista não aparecem como sendo de natureza sexual.
Para Freud, o ego, como instância consciente da personalidade, é de tal forma pressionado por conflitos entre as forças pulsionais (vindas do id) e as regras sociais (introjetadas pelo superego), que nem sempre consegue agir de modo equilibrado. Ao explicar os mecanismos da repressão, revela que o neurótico não tem consciência plena dos determinantes da sua ação. Ora, se a moral supõe a autonomia, nada mais distante disso do que o comportamento resultante da repressão dos impulsos.
Não resta dúvida de que o amplo desenvolvimento da psicanálise levou a uma nova concepção de moral cada vez mais orientada na direção do sujeito concreto, com ênfase nos valores da vida e da espontaneidade, o que certamente ajudou na superação de preconceitos e comportamentos hipócritas, bem como na valorização do corpo e das paixões.
Se por um lado isso foi saudável, pois a repressão sempre desencadeia formas doentias de comportamento, por outro dificultou para muitos (embora não propriamente para Freud e para os psicanalistas) a compreensão clara de que o reconhecimento e o controle dos desejos (e não a repressão deles) é indispensável para o adentramento no mundo adulto e a realização da vida moral. É nesse sentido que o próprio Freud termina a quarta lição de sua famosa palestra Cinco lições de psicanaláse com a seguinte observação: Se quiserem, podem definir o tratamento psicanalítico como simples aperfeiçoamento educativo destinado a vencer os resíduos infantis.”
Essa educação consiste não na repressão do desejo, mas na sua aceitação, na recusa consciente, ou no adiamento, além das formas da sublimação.
6. A filosofia da existência
No século XIX, o filósofo dinamarquês Kierkegaard foi o primeiro a descrever a angústia como experiência fundamental do ser livre ao se colocar em situação de escolha. Mais tarde, no século seguinte, os existencialistas continuam o caminho por ele aberto, tentando compreender a singularidade da escolha livre.
Embora tenha se preocupado com a questão da existência, o filósofo Martin Heidegger (1889-1976) recusa ser enquadrado entre os filósofos existencialistas, argumentando que as reflexões acerca da existência são, na sua filosofia, apenas introdução à análise do problema do Ser, e não propriamente da existência pessoal. Mas não resta dúvida de que inspirou o pensamento dos existencialistas.
Heidegger, discípulo de Husserl, na obra Ser e tempo segue o método fenomenológico para discutir e elaborar uma teoria do Ser. Assim, parte da análise do ser do homem, que ele denomina Dasein. Esta expressão alemã significa justamente o “ser-aí”, isto é, um ser-no-mundo. Retomando a noção de intencionalidade, o ser humano não constitui uma consciência separada do mundo: ser é “estourar”, “eclodir” no mundo. O “ser-aí” não é a consciência separado do mundo, mas está numa situação dada, toma conhecimento do mundo que ele próprio não criou e ao qual se acha submetido em um primeiro instante. A isso chamamos facticidade. Além da herança biológica, o indivíduo recebe a herança cultural, que depende do tempo e do lugar em que nasceu.
A partir do “ser-aí”, Heidegger demonstra a especificidade humana, que é a existência. Se o indivíduo é lançado no mundo de maneira passiva, pode tomar a iniciativa de descobrir o sentido da existência e orientar suas ações nas mais diversas direções. A isso se chama transcendência. Nesse procedimento, descobre a temporalidade, pois ao tentar compreender o seu ser, dá sentido ao passado e projeta o futuro. Ao superar a facticidade, atinge um estágio superior, que é a Existenz, a pura existência do Dasein. Essa passagem, porém, não é feita sem dificuldade porque, mergulhado na facticidade, tende a recusar seu próprio ser, cujo sentido se anuncia, mas que ainda se acha oculto. A angústia retira o indivíduo do cotidiano e o reconduz ao encontro de si mesmo. A angústia retira o indivíduo do cotidiano e o reconduz ao encontro de si mesmo. A angústia surge na tensão entre o que ele é e aquilo que virá a ser, como dono do seu próprio destino.
Do sentido que o ser humano imprime à sua atenção, decorre a autenticidade ou a inautenticidade da sua vida. O indivíduo inautêntico é o que se desagrada vivendo de acordo com verdades e normas dadas; a despersonalização o faz mergulhar no anonimato, que anula qualquer originalidade. É o que Heidegger chama “mundo do man” (em alemão, man significa “se”) e que designa a impessoalidade: come-se, bebe-se, vive-se, como todos comem, bebem, vivem. Ao contrário, a pessoa autêntica é aquela que se projeta no tempo, sempre em direção ao futuro. A existência é o lançar-se contínuo às possibilidades sempre renovadas.
Entre as possibilidades, a pessoa vislumbra uma delas, privilegiada e inexorável: a morte. O “ser-aí” é um “ser-para-a-morte”. A máxima “situaçãp-limite”, que é a morte, ao aparecer no cotidiano, possibilita-lhe o olhar crítico sobre a existência. É característica da inautenticidade abordar a morte como “morte na terceira pessoa”, ou seja, a morte dos outros, evitando tematizar a própria finitude e, portanto, nunca questionando a própria existência.
· Sartre e o existencialismo
Jean-Paul Sartre (1905-1980) escreveu O ser e o nada, sua principal obra filosófica, em 1943. Seu pensamento é muito conhecido e gerou, inclusive, uma “moda existencialista”, também pelo fato de ter se tornado famoso romancista e teatrólogo. Sua produção intelectual é fortemente marcada pela Segunda Guerra Mundial e pela ocupação nazista da França.
Podemos dizer que há um Sartre de antes da guerra e outro pós-guerra, tal o impacto da Resistência Francesa sobre sua concepção política de engajamento. Engajamento siginifica a necssidade de se estar voltado para a análise da situação concreta em que se vive, solidário nos acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. Pelo engajamento, a liberdade deixa de ser apenas imaginária e se compromete na ação. Ao escrever a peça de teatro As moscas, que versa sobre o mito grego de Orestes e Electra, Sartre na verdade faz uma alegoria da ocupação alemã em Paris, inaugurando, com essa obra, o chamado “teatro de situação”.
Esse envolvimento com a política do seu tempo também se reflete na discussão da moral do sujeito concreto. Podemos observar esse tipo de preocupação claramente formulada na seguinte passagem: “O conteúdo [da mora] é sempre concreto e por conseguinte imprevisível; há sempre invenção. A única coisa que conta é saber se a invenção que se faz, se faz em nome da liberdade.
Para entendermos melhor essa concepção é preciso começarmos pela análise de uma frase fundamental do existencialismo sartreano: “a existência precede da essência”. Ora, segundo as concepções tradicionais, o ser humano possui uma essência, uma natureza humana universal, da mesma forma que todas as coisas têm essência. Por exemplo, a essência de uma mesa é o ser mesmo da mesa, aquilo que faz com que ela seja grande ou pequena, mas que tenha características que nos permitam usá-la como mesa.
Não é essa, no entanto, a posição de Sartre, para quem, ao contrário das coisas e animais, no ser humano a existência precede a, e isso “significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo”.
Qual é a diferença entre o ser humano e as coisas? É que só ele é livre, porque nada mais é do que o seu projeto. A palavra pro-jeto significa, etimologicamente, “ser lançado adiante”, assim como o sufixo ex da palavra existir significa “fora”. Ora, só o ser humano existe (ex-siste) porque, sendo consciente, é um “ser-para-si”, já que a consciência é auto-reflexiva, pensa sobre si mesma, é capaz de por-se “fora” de i. Portanto, a consciência distingue o ser humano das coisas e dos animais, que são “em-si”, ou seja, não são capazes de se colocar”do lado de fora” para se auto-examinarem.
O que aconteceu ao indivíduo quando se percebe “para-si”, aberto à possibilidade de construir ele próprio a sua existência? Descobre que não há essência ou modelo para lhe orientar o caminho e que seu futuro se encontra disponível e aberto; portanto, está irremediavelmente “condenado a ser livre”. Sartre cita a frase de Dostoiévisk em Os irmãos Karamazov: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”, para lembrar que os valores não são dados nem por Deus nem pela tradição; só ao próprio indivíduo cabe inventá-los.
Eis que, ao experimentar a liberdade, a ao sentir-se como um vazio, o indivíduo vive a angústia da escolha. Muitas pessoas não suportaram a angústia da escolha. Muitas pessoas não suportam essa angústia, fogem dela, aninhando-se na má-fé. A má-fé é a atitude característica de quem finge escolher, sem na verdade escolher. Imagina que seu destino está traçado; aceita a verdades exteriores, “mente” para si mesmo e simula ser ele próprio o autor dos seus atos, já que aceitou sem críticas os valores dados. Não se trata de uma mentira, pois esta supõe os outros para quem mentimos, enquanto a má-fé se caracteriza pelo fato de o indivíduo dissimular para si mesmo, com o objetivo de evitar fazer uma escolha pela qual possa se responsabilizar.
Aquele que recusa a liberdade torna-se “safado”, “sujo” (salaud, em francês), pois nesse processo despreza a dimensão do “para-si” e torna-se “em–si”, semelhante às coisas. Perde a transcendência e reduz-se à facticidade. Sartre chama de espírito de seriedade esse comportamento de recusa da liberdade para viver o conformismo e a “respeitabilidade” da ordem estabelecida e da tradição. Esse processo é exemplificado no conto A infância de um chefe.
A partir do que foi dito a respeito do existencialismo, poderíamos supor que Sartre defende o individualismo, cada um preocupado com a própria liberdade e ação. Contra esse mal entendido, adverte: “Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens. [...] Com efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos. Se a existência, por outro lado, precede a essência e se quisermos existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade.
Segundo alguns autores, vários problemas surgem no pensamento sartreano, desencadeados pela consciência capaz de criar valores e, ao mesmo tempo, de se responsabilizar por toda a humanidade, o que parece gerar uma contradição indissolúvel. Sartre se coloca nos limites da ambigüidade, pois, se a moral é impossível porque o rigor de um princípio leva à sua destruição, por outro lado a realização humana e da sua liberdade exige o comportamento moral. Sartre sempre prometeu escrever um livro sobre moral, mas não realizou seu projeto.
7. Fenomenologia
O conhecimento da realidade essencial dos fenômenos e a possibilidade desse conhecimento foi preocupação constante da filosofia até princípios do século XX, quando a fenomenologia deixou de olhar para os elementos exteriores que cercam os fenômenos e passou a considerá-los em si mesmo, por seu reflexo na consciência, como única maneira de apreendê-los.
Fenomenologia é o estudo dos fenômenos em si mesmos, independentemente dos condicionamentos exteriores a eles, cuja finalidade é apreender sua essência, estrutura de sua significação. É também um método de redução, pelo qual o conhecimento factual e as suposições racionais sobre os fenômenos como objeto, e a experiência do eu, são postas de lado, para que a intuição pura da essência do fenômeno possa ser rigorosamente analisada. É o estudo dos fenômenos, distinto do estudo do ser, ou ontologia.
Na história da filosofia, a fenomenologia tem três significados especiais. Na segunda metade do século XVIII, era sinônima de “teoria das aparências”, expressão cunhada pelo filósofo Jean-Henri Lambert para distinguir a aparência das coisas do que elas são em si mesmas. Com Hegel, em Phänomenologie des Geistes (1807; Fenomenologia do espírito), é uma espécie de lógica do conteúdo e uma introdução à filosofia, história das fases sucessivas, das aproximações e das oposições pelas quais o espírito se eleva da sensação individual à razão universal, ou, para usar sua fórmula: "é a ciência da experiência que faz a consciência". Foi com Husserl que a palavra ganhou, nas primeiras décadas do século XX, o significado de que hoje se reveste, de estudo dos fenômenos em si mesmos, que visa à evidência primordial, e de denominação de um movimento que influiu de modo significativo no pensamento filosófico dessa época.
A fenomenologia husserliana é uma meditação sobre o conhecimento. Considera que aquilo que é dado à consciência é o fenômeno (objeto do conhecimento imediato). Esse fenômeno só aparece numa consciência; portanto, é a essa consciência que é preciso interrogar, deixando de lado tudo o que lhe é exterior. A consciência, para Husserl, só pode ser entendida como intencional, isto é, não está fechada em si mesma, mas define-se como uma certa maneira de perceber o mundo e seus objetos. Mostrar os diversos aspectos pelos quais a consciência percebe esses objetos e sob os quais eles lhe aparecem, o que a sua presença supõe, constitui o estudo e o objetivo essencial da fenomenologia.
Para Husserl, portanto, a tarefa da filosofia é a pesquisa, exame e descrição do fenômeno, como conteúdo da consciência. Trata-se de uma mudança radical de sentido na orientação filosófica, antes voltada para as coisas, para o mundo exterior, e que com ele passou a interessar-se pela consciência, pelo mundo interior. Assim, por exemplo, se alguém vê as folhas de uma palmeira serem agitadas pelo vento, essa experiência é, toda ela, um fenômeno interior, que se passa essencialmente dentro da consciência. Os objetos exteriores são apenas condições para que se crie a percepção, a vivência desse fenômeno interior. A fenomenologia se prende, por meio da atitude reflexiva, nesses fenômenos ou estados da consciência e prescinde da realidade exterior das coisas, ou como diz Husserl, coloca-se entre parênteses. É o que ele chama de epokhé, ou seja, o ato de liberar a atenção do exterior para que ela se detenha na análise da vivência ou experiência pura.
A fenomenologia é, portanto, uma descrição daquilo que se mostra por si mesmo, de acordo com o "princípio dos princípios": toda intuição primordial é fonte legítima de conhecimento. Situa-se como anterior a toda crença e juízo e despreza todo e qualquer pressuposto: mundo natural, senso comum, proposição científica ou experiência psicológica.
Essa mudança de orientação teve grande importância para a filosofia, pois a eximiu de cuidar da explicação do mundo e das coisas. A ciência é que explica o mundo e seus aspectos acessíveis à nossa experiência. Ao voltar-se para o conteúdo ou para o fenômeno existente na consciência, a fenomenologia encontrou um objeto que a capacita a transformar-se em ciência autêntica, como pretendia seu fundador. Esse conteúdo é antes suscetível de descrição do que de medida. Fazer tal descrição é a tarefa dessa filosofia.
Os críticos da obra de Husserl dividem-se em dois grupos principais. De um lado estão os que, como os neokantianos, concordam em que a fenomenologia se realizou como perspectiva ontológica; do outro, os que sustentam que ela significou apenas uma tomada de posição epistemológica, como Nicolaio Hartman. Em outras palavras, os que admitem ser ela uma perspectiva do ser, e os que a consideram apenas como uma investigação do conhecer.
Em seus primeiros escritos, Husserl não põe em dúvida a existência dos objetos independentemente dos atos mentais. Mais tarde, introduz a noção problemática de uma redução transcendental fenomênica, mediante a qual se descobre o ego (o eu) transcendental, diferente do ego fenomênico da consciência ordinária. Em conseqüência, Husserl passa de um realismo primitivo a uma modalidade de idealismo kantiano. Sua influência foi muito profunda, em especial entre os existencialistas (Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty) que, apesar de se considerarem fenomenologistas, preocupavam-se mais com a ação do que com o conhecimento.
Em psicologia, fenomenologia é um método de descrição e análise desenvolvido a partir da fenomenologia filosófica, aplicado à percepção subjetiva dos fenômenos e à consciência, em especial nos campos da psicologia da Gestalt, análise existencial e psiquiátrica.
8. Existencialismo
Existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana. É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos. Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações. O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida. Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer". Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.
a. Somos os responsáveis por nossa existência
Se o homem primeiro existe e depois se faz por suas ações, ele é um projeto - é aquele que se lança no futuro, nas suas possibilidades de realização. O que isso quer dizer? Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário). E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9). Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia. "Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.
b. O peso e a importância da liberdade
Mas ao escolher a si próprio, a sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. João é casado e tem três filhos: fez uma opção pela monogamia e a família tradicional. Já seu amigo José é filiado a um partido político e vai para o trabalho de bicicleta: acha correta a participação política e se preocupa com o meio ambiente. As escolhas de José e João têm um valor universal. Ao fazer algo, deveríamos nos perguntar: e se todos agissem da mesma forma, o mundo seria um lugar melhor de se viver? E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade. Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica. À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.
c. Outros pensadores existencialistas
Desde Sócrates (470 a.C.- 399 a.C), muitos filósofos refletiram sobre a existência humana, passando pelos estóicos, Santo Agostinho (354-430), Blaise Pascal (1623-1662), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Henri Bergson (1859-1941), mas nem por isso podem ser chamados de filósofos existencialistas. Mesmo entre os pensadores alinhados às doutrinas da existência, encontram-se posições diversas que vão do chamado existencialismo cristão, representado pelo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) - considerado o precursor do movimento -, o francês Gabriel Marcel (1889-1973) e o alemão Karl Jaspers (1883-1969), até o existencialismo ateu, do próprio Sartre, do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e dos escritores franceses Albert Camus (1913-1960) e Simone de Beauvoir (1908-1986).
Bibliografia
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia. Ed. Moderna – São Paulo, 2003.
http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/pragmatismo.htm
http://www.benitopepe.com/2009/03/modernidade-e-crise-da-modernidade.html
http://www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm
http://educacao.uol.com.br/filosofia/existencialismo.jhtm
http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/fenomenologia.htm
Notas
(1) NUNES, Benedito. A filosofia contemporânea.
(2) NIETZSCHE, F. “Introdução teorética sobre verdade e mentira no sentido extramoral”. In MARTON, Scarlett. Nietzsche, a transvalorização dos valores.
(3) FOUCAULT, Michel. A metafísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979. P. 218.
(4) MARTON. Scarlett. Nietzsche, a transvalorização dos valores. São Paulo, Moderna, 1993. p. 50
(5) MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro, Rocco, 1984. p. 77
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
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Professora posta o livro ALEGORIA DA CAVERNA! VALEU!
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